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O PAPA E A COBRA

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Fumaça branca, Habemus papam! No meu caso, quem fumou foi a cobra, só que pela última vez na vida.

 

Coincidentemente pela segunda vez, estava novamente num quarto de hospital, desta vez por motivo que eu provoquei, assistindo pela TV a um conclave para escolha de um novo, sempre idoso, papa da Santíssima Igreja Católica.

 

Como toda coincidência tem um Dedo de Deus, segundo Nelson Rodrigues que foi um papa da escrita, desta vez não poderia esperar mais para lhes contar uma história, prá lá de verdadeira, envolvendo o papa e a cobra.

 

Famosa Jararacuçu do papo amarelo! Bothrops sp.

 

Tinha que dar um jeito de arrumar caneta, papel e mais difícil – um apoio, prancheta ou pedaço de papelão para me auxiliarem nesta empreitada literária. Meu amigo e mestre Ivanir, doutor das letras escritas e filmadas, já havia me incentivado algumas vezes a fazer. Contar, mesmo que fosse apenas o relato, do caso do papa e a cobra.

 

Famosa Jararacuçu do papo amarelo! Bothrops sp.

 

Serpentes peçonhentas e inquietas, nestes meses de verão estão sempre à procura de seus pares para amores e multiplicação da espécie. Por falar em espécie, vou logo avisar que era, na época do ofendido, e ainda sou um ferrenho defensor das cobras, lagartos, sapos, aranhas, escorpiões e toda sorte de bichos considerados por muitos, como indesejáveis e perigosos. Por que? Todos eles, dos mais pequeninos aos mais crescidos, têm seu lugar no mundo de Deus. Esse mesmo mundo, que de tempos em tempos, escolhem um papa para abençoar, doutrinar e nos fazer de ovelhas obedientes.

 

Não é que numa noite estrelada de verão, mês de março, lua recolhida para os lados do Japão, aconteceu um encontro pouco provável. Eu e uma bela jovem jararacuçu do papo amarelo - lembram?

 

Estávamos, eu e meu pai, na fazenda em Manejo MG a caminho do encontro com o morfeu, pois já eram quase nove horas da noite. Nesta época (2005) a propriedade ainda não possuía a luz elétrica para todos, obra futura do ex- santo Inácio Lula da Silva (em 2008).

Sempre íamos dormir mais cedo do que quando nas cidades, embalados pelos sons agradáveis das águas, bichos, ventos e às vezes, uma sinfônica chuva. Ficávamos livres das chatices televisivas, notícias negativas e pessimistas sobre o mundus vivendi e ainda tínhamos espaço e tempo para papos, causos e estrelas. E haja estrelas, milhares milhões bilhões... sobre nossas cabeças e pensamentos.

Nesta noite, papai que é mais prosa e poeta do que eu, ao chegarmos na Casa do Mel nossa morada de pernoite, ficou do lado de fora para admirar e ouvir estrelas – já dizia o poeta. A noite estava especial, morna e limpa.

 

Muito diferente de toda a atmosfera que cercou o Vaticano e o conclave para eleição de Francisco, nestes dias eu estava refém de um leito hospitalar. E verdade seja dita, ele, o papa, vai enfrentar muitas cobras e toda sorte de animais estranhos na sua nova jornada.

Regulei minha lanterna de testa, destranquei as duas metades de portas do nosso cafofo campestre e entrei pela casa para preparar nossa dormida. Entre idas e vindas, pelo banheiro, quarto e pequena sala, devo ter passado pelo menos quatro vezes pela minha inquilina, que até então, eu não imaginava estar hospedando.

 

Tempos depois, fazendo uma análise etológica do ocorrido, chegamos à conclusão que nossa querida peçonhenta estava escondida sob uma mesa de jantar. E o que é pior, provavelmente por até cinco dias presa lá dentro com suas presas venenosas num ambiente estranho ao seu habitat. E ainda mais, sem comida: sapos, pererecas, roedores ou qualquer outro animal que lhe pudesse satisfazer o natural ciclo de

predados e predadores na Natureza.

 

Pois bem, não deu outra, fui ofendido! Sim ofendido, justamente eu, um defensor de cobras, aranhas, lagartos e afins. Ao retirar a bota de cano alto que me protegia 85% a região do corpo com maior incidência de picadas, do joelho até o pé, senti uma forte agulhada no pé esquerdo.

 

Assustado, inclinei a lanterna e localizei uma bela jovem serpenteando pelo chão da casa a caminho de um canto protegido. Imediatamente avisei meu pai para que não entrasse na casa, pois nossa inquilina estava justamente próxima da porta de entrada.

 

Respirei fundo, me acalmei como pude, e comecei a conversar com ela, a cobra, reclamando da ofensa que havia me feito. E ela, por ser mais jovem (no caso, inexperiente) parecia me dizer com seus fixos olhos que me confundira com um grande e suculento rato!

 

Não tive dúvidas, terminei a conversa com uma cajadada de pau mulato em seu lindo corpo esbelto e viscoso. Sabia ser importante a certificação da espécie venenosa para administração do soro antiofídico específico para Bothrops (jararacas) pelos profissionais de saúde.

 

Coloquei a falecida num saco, calcei as botas novamente, passei a mão num agasalho e documentos... Despenquei da Serra Boa Vista com nossa audaciosa Manuela. Comigo na caminhonete, além da falecida, meu pai e nosso parceiro capataz, este um mateiro vivido, estavam bastante nervosos com o acidente.

 

Julguei mais prudente evitar um provável novo acidente naquela noite, dessa vez automobilísticolisco, e assumi o volante.

 

Teria sido mais adequado que ao me dirigir ao Hospital de Pronto Socorro mais próximo, eu estivesse de preferência deitado e com a parte ofendida (meu pé) numa posição mais alta que o coração. Com isso, retardaria a dispersão do veneno pelo corpo através da circulação sanguínea. E, obvioululante, não se deve fazer também qualquer torniquete, sangria, raspagem, curativos, sucções ou outros métodos empíricos no local da picada.

 

Atravessamos aquele pedaço de noite e escuridão que separa a fazenda, no Manejo, da cidade mais próxima, Lima Duarte, e em 40 minutos já estava sentindo outra agulhada em minha pele. Desta vez, voluntária e benigna.

 

Tomei três doses de soro antibotrópico no intervalo de quatro dias que passei no hospital para ir vencendo, esquecendo e dominando aos poucos a ofensa da jararacuçu.

 

Neste pedaço de tempo, vi e revi as notícias referentes à escolha do novo papa na televisão que cismava em estar ligada na minha frente ou por absoluta falta de opção na passagem do tempo.

 

Cheguei a pedir ajuda recorrendo a uma conhecida amiga (Mariza) mais letrada da pequenina Lima Duarte. Mas os jornais e revista que recebi insistiam em um só assunto: Habemus Papam...

 

Estava indefeso, estirado numa cama de hospital, esperando o resultado de uma batalha entre o bem e o mal. Entre o santo e o profano. Entre o soro e o veneno. Entre o papa e a cobra.

 

O autor ainda ficou mais 25 dias acamado em sua casa para se recuperar do ofendido, mas, felizmente não ficou com nenhuma seqüela nefrológica. Porém, ainda submeteu-se compulsoriamente a tornar-se um ávido conhecedor dos primeiros capítulos que contarão a história do novo pontificado.

 

Alguém poderia me dizer se São Francisco além de protetor dos animais também dá um jeitinho da gente ter mais paciência!?

 

Sobre as cobras, ele continua amigo, defensor e pesquisador.

Juiz de Fora, 25 de março de 2013 - Paulo Bittar