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A ONÇA E O MILHARAL DO VIZINHO

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Vou contar um causo pr`ocês que aconteceu pelos anos de 1985 na Fazenda Serra Boa Vista (BV), desses que a gente não duvida porque viu e até participou.

 

A vida nos presenteia com situações e oportunidades que só estando bem vivo e curioso para aproveitar!

Pois bem, meu administrador e capataz na referida época, era um sujeito “meio índio”, daqueles que sabem interpretar e usar com inteligência as benesses e ofertas da Mãe Natureza. Ele, então, foi chamado por um vizinho próximo para dar um “susto” com sua boa espingarda num bando de Quatis que estavam se fartando de um grande milharal destinado às vacas, porcos, cavalos, patos e galinhas... mas não aos animais selvagens que, teoricamente, tinham outros alimentos nas matas para seu sustento.

 

Lá se foi Alcino acompanhado de seu afilhado João, de aproximadamente 20 anos, e seu filho Gustavo, então com apenas 6 anos, para rastrear o bando de Quatis e salvar a plantação de milho do vizinho Zé Gato. Os três saíram bem cedo numa manhã de outono para vasculharem as redondezas. Subiram e desceram morros, atravessaram riachos, cortaram vales, se embrenharam em matas... rodaram meio mundo na Serra Boa Vista à procura dos Quatis ou de algum rastro deles. Depois de um dia inteirinho de investigações não encontraram nadinha, nem cachorros perdidos!

 

Lá pelas seis da tarde, com o sol já dobrando pro Japão, voltaram bastante desanimados em direção à fazenda. Pararam numa mina d`água já dentro da BV, distante uns dois quilômetros da sede, para beber uma água fresca e descansar para o último trecho da caminhada de volta. O mais novo, Gustavo, sentou numas raízes de um grande e velho Cedro, enquanto Alcino e João bebiam água deitados na grama junto à mina. Iniciaram conversa acirrada sobre o dia e o sumiço dos Quatis no milharal do Zé Gato. Acharam muito estranho nada terem encontrado, inclusive porque a roça de milho ainda continha muitas belas espigas para fazer a alegria de “Quatis ladrões”!

 

Conversaram tanto que nem perceberam o grande perigo rondando o menino Gustavo, sentado a uns oito metros de distância sob a copa do belo Cedro! Bem em cima da criança, armada com dentes e unhas afiadas, escondida num galho da grande copa do Cedro, estava uma magnífica Onça-parda, uma Suçuarana!

 

Foi nesse instante, que separa o perigo do ataque iminente e a ação, que Alcino, parece que avisado pelos céus, levantou o olhar em direção ao filho. E, por estar deitado na grama, o ângulo lhe permitiu focar também a Onça muito próxima da criança! Com um suave movimento dos braços e em profundo silêncio, sinalizou ao seu companheiro, e afilhado de várias caçadas, o João, que lhe passasse a espingarda repousada no chão. Dotado de muita experiência e excelente pontaria, se aprumou no terreno aconchegando o grande rifle de grosso calibre nos ombros e braços para acertar a Onça com precisão. Sabia também, por experiência, que deveria resolver a disputa com a Onça-parda com apenas um tiro, pois a vida do filho corria evidente perigo!

 

Buuummmm! O grande felino de um metro e vinte centímetros estava no chão abatido e sem vida. Infelizmente não havia outra coisa a fazer, era a morte da Onça ou a vida da criança!

 

Rapidamente foram na capoeira de mato próxima, escolheram uma vara de pau forte de uns dois metros de comprimento e algumas tiras de casca de árvore para amarrar a pesada Suçuarana para o transporte. Alcino, sendo “meio índio”, sabia que deveria tirar a pele para esquartejar a carne da Onça em poucas horas, pois como o animal já estava inevitavelmente abatido, ele deveria ser aproveitado com respeito para alimentação. A surpresa foi quando abriram a barriga e estômago do felino! Estavam lá várias partes de Quatis, impiedosamente caçados e saboreados pelo Felis concolor!

 

No dia seguinte ao acontecido, cheguei à fazenda e tomei conhecimento de toda a história, me deparando, - inclusive, com a enorme pela da Suçuarana esticada em paus para secar ao sol!

 

Quando me perguntaram quais os procedimentos técnico-químicos a fazer com a pele para maior conservação, não tive dúvidas, passei uma lista completamente errada do que realizar! Os leitores que não me julguem por essa trapaça, mas uma coisa é você aceitar que um animal selvagem feroz em situações como a que relatamos aqui deva ser abatido, outra é você passar o resto da sua vida vendo e pisando num tapete de pele de Onça Suçuarana, sua vizinha, e parceira!

 

Fica, portanto, explicado por que eles não encontraram os Quatis no milharal do Zé Gato!

 

Paulo Bittar, 24 de fevereiro de 2022

Revisão: Begma Maria Cristina Barcelona